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Sobre fins e recomeços.
Recomeçar é uma necessidade.
Passando pelo saguão do meu prédio, escuto o porteiro me chamar e dizer: “é, o ano já tá acabando”. Minha resposta só poderia ser uma: “passou voando”. Foi nesse momento que me veio no pensamento tudo aquilo que acontece em dezembro, como Natal, especial do Roberto Carlos, separar uva passa do arroz, se vai sobrar grana pra comprar uma champagne ou se repetiremos a cidra da última virada e por aí vai.
E com tudo isso também veio um sentimento. De paz, tranquilidade, de uma certa calma... de recomeço. Um sentimento de que uma etapa está se encerrando para que outra, novinha em folha, comece. No caso, o ano.
O dia 31 de dezembro é rigorosamente igual ao 1° de janeiro. De qualquer ano, em qualquer época. Tirando a previsão do tempo, absolutamente tudo segue sendo a mesma coisa. Mas então, por que temos a sensação de recomeçar?
Na jornada da vida, os ciclos de encerramento e recomeço desempenham um papel crucial, tanto em nosso cotidiano quanto em nossa psique. Momentos que carregam consigo um simbolismo universal: a oportunidade de refletir sobre o que passou, de se despedir do que não nos serve mais, e de abrir espaço para o novo.
Do ponto de vista psicanalítico, esses momentos têm uma função vital para o equilíbrio emocional e a saúde mental. Segundo Sigmund Freud, o ser humano é regido por forças inconscientes que, muitas vezes, ficam presas a experiências, emoções e narrativas do passado. Criar rituais de fim e recomeço ajuda a elaborar essas experiências, encerrando ciclos que poderiam permanecer inacabados e prejudicar nosso desenvolvimento emocional.
Além disso, o psicanalista Donald Winnicott enfatizou a importância dos espaços de transição, onde o ser humano pode lidar com mudanças e transformações de forma segura e criativa. Encerrar um ciclo é criar um espaço de respiro, um momento de pausa para olhar para dentro e reorganizar nossas histórias internas. É nesse intervalo que nasce o potencial para o recomeço.
Na sociedade moderna, onde o tempo parece escorrer pelas mãos e as demandas nunca cessam, esses marcos tornam-se ainda mais essenciais. Eles nos convidam a desacelerar e a perceber que não somos apenas produtivos ou operacionais, mas também seres emocionais. Cada fim nos desafia a aceitar o que é preciso deixar para trás, enquanto cada recomeço nos oferece esperança e propósito renovados.
Portanto, seja na vida pessoal, nos relacionamentos, ou mesmo no trabalho, criar momentos para finalizar etapas e abrir portas para novas possibilidades não é apenas uma questão prática. É uma necessidade humana. Eles nos lembram de que somos protagonistas de nossa própria narrativa, capazes de reescrever nossa história com consciência e intenção.
Ao final de cada ciclo, há um convite à transformação. E ao início de cada novo, há uma promessa de renovação. São esses marcos que nos conectam ao que há de mais essencial em nós: a capacidade de recomeçar.