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Blá, blá e mais blá

Silvio Pilau
Silvio Pilau

Mais de vinte anos separam o momento em que entrei na Faculdade de Publicidade e Propaganda do dia em que escrevo este texto. 

Muita coisa mudou de lá pra cá. Se antes os aparelhos celulares eram apenas acessórios de luxo, hoje são extensões do nosso corpo. Se antes o sertanejo era uma música cantada por caipiras de coração partido, hoje é um gênero que embala adolescentes de todo o país. Se antes a inteligência artificial era a vilã de filmes de ficção, hoje é uma realidade que estamos recém começando a entender.

Há, porém, algo que continua exatamente como era naqueles tempos distantes. O discurso do mercado publicitário. Desde que era um bixo ainda me acostumando ao habitat universitário, ouço e leio muito das mesmas coisas. Quem é do meio certamente já ouviu muito este papo: “as agências precisam se reinventar”, “temos que ser parceiros dos clientes”, “a comunicação não é mais apenas TV e jornal”, “devemos propor uma experiência ao público”, e por aí vai.

Isso denota uma profunda dificuldade do mercado na realização de uma autoanálise. Sabemos o quanto o meio publicitário é poluído por egos estratosféricos (hoje, talvez, menos do que já foi), mas isso não deveria impedir seus profissionais de entenderem realmente o que se passa – especialmente quando se percebe que a publicidade é exatamente o lugar onde tendências deveriam ser antecipadas. Há uma estagnação no modo de pensar por parte de quem deveria ter ideias inovadoras. Não ideias para ganhar prêmios, naquela autoindulgência irritante do mercado, mas para realmente repensar a forma de agir dos profissionais da comunicação. São muitos diagnósticos para poucos remédios.

Essa linha de raciocínio leva, inevitavelmente, a uma reflexão sobre o tal discurso padrão: será que as agências realmente precisam se reinventar tanto assim? É fácil falar que sim. Vemos que o mundo mudou, assim como a relação entre consumidor e marca. Mas será que as agências já não mudaram também? De forma natural, orgânica, será que já não evoluíra junto à sociedade? Será que o medo de ficar para trás não é um pouco exagerado? Será que a essência de uma agência de publicidade e o que faz uma comunicação atingir objetivos não seguem sendo as mesmas razões de cinco, dez ou cinquenta anos atrás?

O que quero dizer é que talvez estejamos sendo repetitivos e chovendo no molhado em nosso discurso – e o que é pior, sem necessidade disso. Sinceramente, se eu fosse cliente, estaria cansado de boa parte do blá-blá-blá das agências. Estaria entediado com suas infinitas novas expressões e estrangeirismos usados para definir conceitos que, muitas vezes, são vazios ou não têm impacto no resultado final da comunicação. Porque, na verdade, tudo segue se resumindo a isto: conhecer profundamente o cliente e seu público, entender bem seu problema, estabelecer uma estratégia e chegar a uma ideia matadora. Ponto. Propaganda de verdade é isso. O resto é apenas enfeite do bolo.

Teoria é importante, pensar o mercado é fundamental, mas, às vezes, o grande segredo é dar um passo atrás. Muitos acham que a propaganda atual está sem graça, pasteurizada, sem criatividade, baseada unicamente em números e dados. Pois então que voltemos ao básico. Voltemos ao planejamento feito com inteligência e à ideia que se conecte verdadeiramente com o público. Que deixemos de lado o discurso oco replicado ano após ano. Está mais do que na hora de trocar o blá-blá-blá pela propaganda de verdade.